sábado, 19 de outubro de 2013


Foi durante a cavaqueira pós prandial com a minha senhora, enquanto entretíamos questões menores, que se consubstanciou nos nossos espíritos incrédulos algo de extraordinário relevo. Um quesito que sumula, caro leitor, boa parte das grandes questões com que alguma vez se debateu; que levanta, de imediato, outras tantas para reflexão futura. Não há que temer o assombro duma grande ideia ou hesitar no elogio em boca própria: trata-se, admitamo-lo, da síntese das considerações ocidentais dos últimos quinhentos anos. Se não está sentado sente-se.
Aqui vai: porque é que vender o pipi* na sétima arte carrega maior estigma do que vender a ética no dia a dia?
Experimente dizer em qualquer fórum social que é actor na indústria pornográfica. Analise a recepção. Garantidamente pouco empática, seja homem ou mulher. Olhá-lo-ão com repulsa, desdém ou inconfessa predação. Tudo pouco agradável. Experimente agora apresentar-se como economista teórico responsável por uma coluna de opinião. Omita, para o efeito, a quantidade incalculável de vezes em que a realidade, essa marota, desdisse o autismo da sua análise "científica". Ou refira a sua paixão pelo Direito e a carreira que construiu na advocacia. Omita, para o efeito, a chusma de degenerados sem qualquer esperança de redenção que defendeu ao longo dos anos. Ou partilhe o seu trajecto político de luta desde as baixas camadas partidárias até à posição de influência que agora detém. Omita, para o efeito, o mar de demagogia em que vive desde que se lembra de ser gente. Ou recorde as férias em que conheceu o seu cônjuge e o projecto a dois que daí resultou. Omita, para o efeito, que a estima que lhe tem é toda na medida da sua conta bancária. Encontrará na plateia reacções díspares, certamente, mas duvido que o brindem com o repúdio reservado aos que passam os dias a suar de gatas. E no entanto não escasseiam virtudes a esta desqualificada carreira. Senão debrucemo-nos. O objecto artístico, o sexo, é algo que todos são capazes de apreciar - grande parte da população investe nele uma boa parcela das suas vidas e os que não o fazem dão certamente espectadores entusiastas. É uma carreira que pugna pela boa saúde: o praticante tem de manter uma forma física invejável, quer no tónus quer na estamina, e faz mais despistes médicos do que qualquer outra alma, mesmo a que pratica tanto ou mais. E é uma escolha sensata não só em termos financeiros - vive melhor do que a média da população - como em termos humanos - conhece constantemente gente nova.
Urge uma resposta capaz de interpretar a razão de ser desta injustiça. Tenho pronta uma bonita recompensa: um conjunto de três VHS de muito bom cinema. Não precisam de recear o estigma: o rótulo diz "Jogos Olímpicos Sidney - atletismo".

*quem diz pipi diz naturalmente pilinha.

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