sábado, 12 de outubro de 2013


Acredito na discussão de ideias como um dos exercícios mais nobres a que o Homem se entrega. Acredito também que o debate teórico de ciência, de arte, da História pode ser um fim em si mesmo. Não vejo que a circunscrição ao plano abstracto limite minimamente a validade do discutido. Mas não deverá aquilo que nos incomoda passar do plano abstrato? Não teremos nós a responsabilidade de agir de acordo com a homilía que pregamos, legitimidade oblige? O potencial que as ideias encerram é isso, potencial. A realidade não se altera à força de teses.
O status quo é uma merda. É uma merda a falta de emprego e a precariedade do que encontramos, é uma merda o volume de impostos sem destino útil, é uma merda o caciquismo e o compadrio, uma merda a burocracia estatal, uma merda a dependência europeia...
Certo. E então?
Diagnosticava uma eminente figura aqui há uns dias uma eterna fonte de descontentamento de que todos somos obrigados a beber, por imposição de uma força malévola externa. Não percebi bem que força - se o governo, se a época, se os deuses do Olimpo. Enfim, discordo em absoluto. Não somos obrigados a nada. Épocas houve em que a falta de liberdade individual nos condenava a uma vida difícil, não poucas vezes miserável e insalubre. Poucos conseguimos imaginar como as sociedades pré-iluministas desconsideravam o cidadão anónimo e o acorrentavam a uma máquina supersticiosa, intolerante e retrógrada. A pena de morte era normalmente um dissuasor eficaz de veleidades individualistas ou contestatárias.  Nem nas suas divagações mais selvagens os ricos do passado sonhariam com a abundância e a conveniência das ferramentas de que hoje dispomos. Vivemos com muito mais do que alguma vez os nossos antepassados viveram. E no entanto uma percentagem considerável da população escolhe não fazer uso pleno da liberdade de que hoje goza.
Podemos secar a fonte do nosso descontentamento, sim. Vejo três opções proactivas.
Posso secá-la comprometendo-me a mudar qualquer coisa. Por mim e pelos outros. Penso e discuto o problema, tomo um banhinho e saio de casa. Interajo, oponho-me, convenço, não convenço, dou, levo. Arrisco. Inscrevo-me n(um)a luta.
Também posso secá-la saindo da fila, vivendo em paralelo. Dentro da legalidade (e quantos percursos alternativos cabem dentro da lei) ou mesmo fora dela. Arrisco. Um dia, eventualmente, a realidade que me incomodava - a dos outros - deixou de ser a minha.
Posso ainda secá-la emigrando. É um modo de sair desta fila; se a nova em que me inscrevo é melhor ou não é outra questão. Arrisco. O passo foi dado, a acção concretizou-se.
Há, claro, uma outra opção, reactiva, que não seca fonte nenhuma. Escolho uma vida de rabugice constante e amarga; na frustração das minhas expectativas escolho não agir. Parece ser uma opção popular. Reclamo que me farto, denuncio inflamadamente, convencido de que o queixume é a única hipótese que me resta. E se não produzo manifestos difundo os alheios, que é uma forma ainda mais fácil de estar. Coroo de razão quem diagnostica, quem reclama, do conforto cobarde da minha inacção.
A proactividade exige coragem; viver barafustando - ou dando razão a quem barafusta - nem por isso. Um desabafo é um desabafo, mas por qualquer motivo obscuro passámos a premiar a lamúria académica, virou modo de vida. Trocar a única ferramenta de mudança - a acção - pela admiração alheia de um punhado de diagnósticos contundentes é um bocado vergonhoso.

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