quarta-feira, 6 de novembro de 2013


Muita coisa fascinante pode acontecer num provador de roupa. Estava entretido num cubículo espelhado a provar umas luvas e um gorro (sempre que tenho a oportunidade de me pôr todo nu da cintura para baixo aproveito-a) quando me sobressaltou a invasão do cubículo contíguo por uma horda de adolescentes. Pela comoção imaginei cerca de vinte, percebi depois que eram quatro. Entregaram-se a um diálogo vazio acerca de coisa nenhuma. Subscrevendo aquele contrato social em que nos subvalorizamos só para que nos contradigam, a adolescente mais estridente queixava-se de como determinadas calças número trinta e oito empacotavam mal a sua gordura horrorosa; as outras garantiam-lhe que tinha um corpo excelente, tomaram elas. Voltou à pesca de elogios mais duas vezes, com sucesso. À terceira investida a única que ainda não tinha falado diz-lhe
Ó Sara, pensa na quantidade de gente ainda mais gorda e feia que tu - é apenas uma questão de perspectiva.
A seguir a um s...s...sim hesitante, quase afónico, devem ter decidido que afinal não precisavam de roupa, porque sairam rapidamente e em silêncio.
Não sei o que é mais notável neste extraordinário episódio, se a fleuma com que a moça estraçalha a amiga se a esperança que nos traz gente desta que desde pequena se recusa a compactuar com personalidades histriónicas.
Recordou-me um momento de semelhante gáudio que vivi aqui há uns anos. Nas auto avaliações de final de período uma colega adepta do mesmo tipo de pesca subavaliou-se desavergonhadamente. Os professores reagiam normalmente com espanto, convencendo-a do seu valor e mestria, ela mostrava-se desconfortável com a honra mas acabava por aceitar a nota e andávamos nesta farsa em sete disciplinas três vezes por ano. Não nesta ocasião. Ao avaliar-se em quinze valores, quando merecia dezassete, a professora registou calmamente a nota no livro de ponto e seguiu para o nome seguinte. A absoluta indiferença aos joguinhos de aprovação foi um momento épico. E ainda beneficiámos a longo prazo do facto da pequena ter parado com as palermices e passado a auto avaliar-se como deve ser.

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