segunda-feira, 7 de julho de 2014


Não é como se a irresponsabilidade criminosa de quem afirma ler o futuro em baralhos de cartas ou bolas de cristal ou entranhas de peixe me surpreendesse por aí além. Sempre se vendeu banha de cobra e enquanto houver gente haverá gente a vendê-la. A estupidez crédula e o desespero dos inadaptados será sempre terreno fértil para este tipo de parasitas.
O que me surpreende mais é uma estação de televisão dar tempo de antena a uma vidente que oferece diagnósticos de anatomia patológica e prognósticos clínicos por telefone. Não é piada de mau gosto, embasbacado amigo leitor, aconteceu mesmo. O facto da consulta ter sido feita por interposta pessoa (era a filha da telespectadora que tinha um problema na tiróide) e de não ser sustentada por qualquer anamnese, exame objectivo ou exames complementares é obviamente uma questão menor. Outra questão menor é o facto desta taróloga não ser formada nem em medicina nem em anatomia patológica.
E não é a primeira vez que isto acontece. Já no passado tinha sugerido a uma idosa que fracturara a bacia sair da cama para que o osso pudesse "colar" como deve ser. Na altura o bastonário da Ordem dos Médicos manifestou-se contra este tipo de irresponsabilidade leviana mas parece que não foi suficiente e, como boa menina mal educada, reincidiu.
Palavra que tenho curiosidade em saber se esta impunidade vai continuar ou se a estação de televisão vai acabar por ser processada por andar a legitimar brincadeiras perigosas, juntamente com a própria taróloga/vidente/bruxa. Era bom sinal que num país desenvolvido alguém tivesse de responder por isto. Uma opinião médica dada por quem não o é e legitimada por uma estação de televisão é um disparate demasiado sério.
Podia até torcer para que esta fulana fosse ela própria objecto deste tipo de diagnóstico cego quando tiver um problema grave mas desconfio que é suficientemente inteligente para recorrer antes a alguém qualificado. Se entretanto estivermos aborrecidos e sem nada para fazer podemos sempre tentar surpreendê-la durante uma consulta privada simulando um enfarte. Com tanto conhecimento clínico e poder divinatório não é certamente mulher para se deixar enganar.

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